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As contempladas
AS CONTEMPLADAS

1) CAIPIRAS

BONDE CAMARÃO (Cornélio Pires e Mariano Silva)

Cornélio Pires é o mais antigo nome dos cancionistas aqui selecionados. Nascido em 1884 é ao lado de Itamar Assumpção representante da cidade de Tietê (onde também nasceria Camargo Guarnieri – 1907 – provavelmente o principal nome da música clássica paulista, da primeira metade do século vinte). Cornélio é pesquisador e responsável por divulgar o universo interiorano na capital. No caso de Bonde Camarão, é justamente o olhar do caipira, que veio morar na cidade, que comenta com perspicácia os costumes e os personagens da cidade grande.

AVE MARIA (Erothides de Campos)

Ave Maria é uma típica valsa do primeiro quarto do século XX. A formação de pianista de Erothides, natural de Cabreúva, contribui para a consistência melódica e harmônica da canção que chegou a ser gravada por Francisco Alves. Na letra, a memória auditiva do soar do sino desperta a saudade de alguém. A cruz do campanário simboliza a da morte desse amor.

TRISTEZA DO JECA (Angelino de Oliveira)

Tristeza do Jeca do itaporanguense Angelino de Oliveira é provavelmente o maior clássico do gênero. O texto, eternizado nas vozes de Tonico e Tinoco, é uma verdadeira declaração de princípios do cancionista. Inicia-se, metalinguisticamente comentando o próprio versar - “nesses versos tão singelos” - necessário para contar o sofrer e a dor. O segundo passo é o cantar, o canto de tristeza: “sou como sabiá, que quando canta é só tristeza, desde o galho onde está”. Mas se há um poeta e um cantador, ainda falta o acompanhamento, a viola, para que o triângulo do cancionista se feche: “nesta viola eu canto e gemo de verdade, cada toada representa uma saudade”. E a canção paulista se faz, “pois o Jeca quando canta, dá vontade de chorar”.

TRÊS NASCENTES (João Pacífico)

Já em Três Nascentes de João Pacífico (Cordeirópolis) há uma sugestiva inversão: é a natureza a responsável por fazer a viola tocar. O sol (que nasce por detrás da serra) “dá bom dia ao galo” e à nascente “toca meu moinho”. Finalmente, na terceira estrofe, a lua branca “borda todo o céu” e “nasce o som da viola (...) fecho minha porta e sonho com você”.

CASINHA BRANCA (Elpídio dos Santos)

Elpidio é natural de São Luiz do Paraitinga (1909). O cenário bucólico da casinha branca e da capela, construídas ao pé de serra são retratados em modo menor. A mudança para modo maior quando a letra começa a descrever “o dia de festa” é coisa de especialista.

MENINO DA PORTEIRA (Teddy Vieira)

Teddy Vieira é de Itapetininga e a composição da década de 1950. O sucesso da interpretação da triste história do Menino da porteira faria o paulistano Sergio Reis abandonar definitivamente a jovem guarda para se dedicar à música sertaneja em 1973.

ROMARIA (Renato Teixeira)

Romaria de Renato Teixeira (Santos 1945) representa a inserção do estilo caipira no contexto da linha de frente da MPB após a gravação de Elis Regina nos anos 70. Poucas palavras, muitos sentidos: “o meu pai foi peão, minha mãe solidão” e mais adiante “como não sei rezar só queria mostrar meu olhar, meu olhar, meu olhar”.

2) INSTRUMENTAIS

TICO-TICO NO FUBÁ (Zequinha de Abreu)

Nascido em Santa Rita do Passa Quatro, quatro anos antes de Cornélio Pires, Zequinha é o compositor do choro Tico-Tico. Sucesso já nos anos 30 passaria a ser conhecido mundialmente após a versão cantada de Carmen Miranda. Foi gravado por Charlie Parker em 1951.

ABISMO DE ROSAS (Américo Jacomino “Canhoto”)

A valsa instrumental Abismo de Rosas é um dos clássicos do instrumento, até hoje interpretada por violonistas brasileiros das mais diversas escolas. Canhoto é de 1889, nascido na capital. O sucesso veio com a gravação de Dilermando Reis (Guaratinguetá 1916) em meados do século passado.

BACHIANINHA Nº1 (Paulinho Nogueira)

Paulinho Nogueira nasceu em 1929, quase cem anos depois do também campineiro Carlos Gomes (1836). Sua Bachianinha nº1 é visão violonística adaptada do universo composicional das Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos (especialmente a nº 5). Paulinho foi o inventor da Craviola e professor de Toquinho.

SAMAMBAIA (César Camargo Mariano)

O pianista, arranjador e compositor César Camargo Mariano nasceu na capital em 1943 e ainda jovem teve Johnny Alf hospedado em sua casa. Participou do universo dos trios instrumentais na década de sessenta, sendo também um dos responsáveis pelo grande sucesso dos cantores Wilson Simonal e Elis Regina. O LP Samambaia de 1981, em duo com o guitarrista Hélio Delmiro é uma referência para a música instrumental brasileira até hoje.

3) SAMBAS

SILÊNCIO NO BEXIGA (Geraldo Filme)

Geraldo Filme é de São João da Boa Vista, nascido em 1928 e legítimo representante do samba rural do interior adaptado ao universo das escolas de samba da capital. Silêncio no Bexiga discorre sobre a morte de Pato N’água, diretor de bateria da Vai-Vai, assassinado pela polícia. Seus versos levantam e sintetizam questões fundamentais quando tratamos da eleição de representantes de nossa cultura (como é o caso deste “Música de São Paulo”). Na maioria das vezes, na cultura popular, parte da produção artística que não foi registrada em gravações e divulgada pelos meios de comunicação pode se perder com a morte de seus protagonistas: “partiu, não tem placa de bronze, não fica na história, sambista de rua morre sem glória, depois de tanta alegria que ele nos deu / assim, um fato repete de novo, sambista de rua, artista do povo, é mais um que partiu sem dizer adeus. Geraldo Filme é também este “artista do povo” e provavelmente represente mais fielmente o samba de São Paulo, que o próprio Adoniran Barbosa.

SAUDOSA MALOCA (Adoniran Barbosa)

João Rubinato (1910) nasceu em Valinhos e está para o samba de São Paulo assim como Noel Rosa está para o do Rio de Janeiro. Com vocação para ator, locutor e compositor, cria seus personagens e dentre eles o próprio “Adoniran Barbosa”. Idealiza e sintetiza um linguajar híbrido - meio malandro negro, meio italiano do bairro do Bexiga - e alcança enorme sucesso especialmente na voz dos Demônios da Garoa. Embora seu maior sucesso seja Trem das Onze, optamos pela Saudosa Maloca que como canção apresenta soluções únicas. Saudosa Maloca, ao contrário de boa parte da obra de Adoniran (em que a poesia se apóia sobre frases musicais curtas), se desenvolve em uma extensa melodia, que “vai sempre em frente”, nos moldes de um samba-enredo. Atrelados ao longo discurso e em perfeita sintonia, os versos desfilam poesia enquanto mantêm a expectativa no acompanhar da história. O retrato da maloca que é destruída para dar um lugar a um “adifício arto” é sintomático e espelha as injustiças sociais que podem se acirrar, principalmente com o chamado “progresso”. Versos como “cada táuba que caía doía no coração” e “Deus da o frio conforme o coberto” continuam atuais e retratam, mais de 50 anos depois, cenas comuns à São Paulo de 2010.

RONDA (Paulo Vanzollini)

Vanzolini é paulistano de 1924. O samba canção Ronda trás a famosa “cena de sangue num bar da avenida São João” que seria citada em Sampa de Caetano Veloso: “que só quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João”.

VELHO ATEU (Eduardo Gudin/Roberto Riberti)

Eduardo Gudin (1950) é um compositor muito particular. Trabalha simultaneamente tanto com expedientes composicionais mais espontâneos, comuns aos artistas populares intuitivos, quanto com determinadas soluções de quem domina o fazer consciente da composição musical. O resultado é um samba articulado nos moldes cariocas, mas com determinados achados harmônicos e melódicos diferenciados.   

REGRA TRÊS (Toquinho e Vinicius)

Toquinho (Capital – 1946) trás para as introduções soladas de seus sambas reverberações do violão refinado que aprendeu com Paulinho Nogueira. Aqui aparece em parceria com o carioca Vinícius de Moraes que certa vez afirmou ser São Paulo de “o túmulo do samba”.

4) ROCKS

2001 (Rita Lee e Tom Zé)

Os Mutantes surgem para o universo do rock paulista na famosa “Noite em 67” (21 de Outubro), na final do III Festival da Record. Somando forças no arranjo de Rogério Duprat, colaboram para o despontar tropicalista do baiano Gilberto Gil em Domingo no Parque. O trio formado pelo tecladista Arnaldo Baptista, o guitarrista Sergio Dias e a cantora Rita Lee é resposta imediata – e adaptada ao contexto paulistano – para as surpresas dos Beatles pós-Sgt.Peppers. 2001 é do LP de 1969, provavelmente o mais criativo. Embora Arnaldo fosse a força motriz da inventividade, foi Rita Lee quem musicou os versos de Tom Zé (o mais paulistano dos baianos). O resultado funde o rock and roll da cidade com as toadas caipiras do interior. A canção, simbolicamente, representa a trajetória da música de São Paulo através do século XX, partindo de sua origem sertaneja interiorana e alcançando e irradiando a atmosfera da metrópole. Irreverência com virtuosismo.

TROMBADINHA (SÃO PAULO BY DAY) (Próspero Albanese e Tico Terpins) / INÚTIL (Roger Moreira)

Nos anos 70, o Joelho de Porco se destaca em São Paulo, fazendo uso de um humor mais ácido e crítico, entre a tradição rock and roll e a emergência do punk rock. O deboche também seria a estratégia bem humorada que a banda paulistana Ultraje a Rigor utilizaria para conseguir invadir a praia de sotaques eminentemente cariocas do chamado “Rock Brasileiro” que se instalava, pela força das gravadoras, na mídia dos anos 80. Marcas registradas de nossa suposta brasilidade pareciam estar em discussão nos versos de Roger em Inútil: “a gente não sabemos escolher presidente, (...) a gente faz música e não consegue gravar, a gente joga bola e não consegue ganhar”. Era verdade, Collor seria eleito em breve, a seleção brasileira acumulava decepções, e a música mais engenhosa encontrava cada vez mais dificuldade em ser registrar em fonogramas.

5) VANGUARDA PAULISTA

NEGO DITO (Itamar Assumpção)

Dos principais artistas da vanguarda paulista Itamar Assumpção (1949-2003) é o único que de fato dedicou-se exclusivamente à sua carreira de compositor e cantor. Nego Dito é de sua primeira fase com a banda Isca de Polícia, mais influenciada por rock e reggae, pelas linhas de baixo do trio de Hendrix. Sobre essa base suingada sua dicção de sambista explorava os espaços, preenchia os vãos do tempo, inventava silêncios. Nego Dito é de seu primeiro trabalho Beleléu Leléu Eu (1980). Desse álbum poderíamos destacar também Luzia (faixa 2), canção onde todas suas principais características já se faziam presentes. Nos anos 90, com a trilogia Bicho de 7 Cabeças com as Orquídeas do Brasil, sua poética se tornaria mais rebuscada, sua verve mais feminina: “sob a janela do quarto/ a cama dorme vazia / encaro nosso retrato / sorrindo sobre o criado / no meio da noite fria” (Noite Torta).

DIVERSÕES ELETRÔNICAS (Arrigo Barnabé/Regina Porto)

Diversões Eletrônicas do londrinense radicado em São Paulo, Arrigo Barnabé (1951) incorporava, no âmbito da música popular pop/rock, técnicas composicionais da música clássica contemporânea, especialmente referências melódico-harmônicas do dodecafonismo de A.Schoenberg, além da imparidade dos compassos irregulares de Igor Stravinsky. A voz rasgada de Arrigo atuava como uma espécie de mestre de cerimônias, um narrador/locutor, fazendo uso de memórias de novelas radiofônicas e o imaginário das histórias em quadrinho. Até então, em nenhum outro momento da música brasileira a vanguarda tinha sido tão radical. Diversões eletrônicas está no lado A do clássico álbum Clara Crocodilo (1980).

CAPITU (Luiz Tatit)

Se por um lado Arrigo inseria “mais música” na canção, Tatit traçaria o caminho de volta, recuperando a própria “melodiosidade” inerente à entoação da fala como recurso composicional. Seu laboratório de experimentação foi o Grupo Rumo, de onde sairiam também Na Ozzetti, Helio Ziskind e o fotógrafo Gal Oppido. A auto-referente Canção Bonita do álbum de estréia (1981) já explicitava a inusitada situação do compositor que não consegue gravar sua criação: “só que não pode gravar (...) e ele não conseguiu sensibilizar o homem da gravadora, e uma canção dessa não se pode mandar por carta pois fica faltando a melodia”. “Capitu” é de uma outra fase do compositor, mais recente e foi gravada por Na Ozzetti em 1999.

6) OUTRAS CANÇÕES

SONHOS (Peninha)
Peninha é paulistano de 1953. Ficou conhecido quando a singeleza de seus versos em Sonhos foi captada e re-gravada por Caetano Veloso. Aqui, este representante do subgênero romântico que é conhecido em São Paulo como brega, extrapola seu próprio universo temático recorrente, onde o lugar comum de relações amorosas mal resolvidas costuma ser “ensimesmamente” explorado. O brega surge de algum provável desvio dos sambas-canção dos anos 50 e encontra força nos cantores românticos imitadores dos primeiros anos de Roberto Carlos, no início dos 70. Mais tarde, o brega se vestiria de sertanejo ou pagode, quase sempre romântico, piegas, pobre. Na produção brega o sucesso comercial é sempre o primeiro objetivo. Sonhos emerge de seu próprio patamar, alcançando estágios mais comuns à canção artesanal: “saudade até que é bom, é melhor que caminhar vazio”.

MEU MUNDO E NADA MAIS (Guilherme Arantes)

Também nascido na capital em 1953, Guilherme Arantes é especialista em composição de baladas pop. As baladas são canções românticas, muitas vezes executadas com acompanhamento do piano, que sempre andaram juntas ao rock (das guitarras). Foi da Inglaterra que se irradiaram os principais modelos: Let it be (Beatles), Changes (Black Sabbath) são bons exemplos desse métier. Guilherme aproximaria-se principalmente da dicção composicional de Elton John. Meu mundo e nada mais é de seu primeiro LP de 1976. Ainda no âmbito da especialidade em baladas, dois anos antes, em 1974, Arnaldo Baptista havia lançado Loki seu primeiro LP solo pós Mutantes. Vale conferir Navegar de Novo.


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